29/05/2004
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ADRIANA DE SOUZA - “A molecada brinca de futebol, não de atletismo”
A atleta lamenta a falta de reconhecimento ao atletismo e conta os projetos dela, agora que está recuperada da contusão
Depois de um ano fora das competições por causa de uma contusão muscular, uma das melhores atletas do país na atualidade, a fundista e meio-fundista paranaense Adriana de Souza, está recuperada e começa nova fase de treinamentos em Sertãozinho (SP), cidade próxima a Ribeirão Preto. O objetivo imediato é a Meia Maratona do Rio de Janeiro. Adriana disse ter achado em Maringá, onde mora desde 2000 e treinava até o ano passado, condições ideais de treinamento e qualidade de vida. Mas por força da profissão está afastada da cidade.
Com 1,62 m e 52,8 kg, Adriana de Souza foi alçada à elite do atletismo feminino em 2000, quando chegou em quarto lugar na maior prova de rua do Brasil, a Corrida Internacional de São Silvestre, sendo melhor brasileira colocada. Nos anos seguintes, voltou a se destacar na prova, repetindo a quarta colocação em 2001 e chegando ao segundo lugar em 2002. A atleta também foi bicampeã sul- americana de Cross Country, tricampeã da Copa Brasil de Cross Country e destaque regional no Campeonato Paranaense dos últimos três anos.
De origem humilde, como a maioria dos atletas de ponta do Brasil, Adriana passou por vários empregos antes de se dedicar ao esporte. Trabalhou como secretária, auxiliar de escritório, ajudante de mecânico e babá. Começou a se dedicar ao atletismo em 1991, aos 18 anos, quando saiu da cidade natal, Ibiporã (PR), com destino a cidade de Tupã, em São Paulo.
Para ela, a falta de reconhecimento e profissionalismo são os principais problemas do atletismo brasileiro. Segundo a esportista, somente os atletas de elite conseguem fechar contratos com empresas para competir. “Se você não tem destaque nacional ou internacional, ninguém acredita que vale a pena patrocinar”, explica.
Por isso, afirma que só se destaca no atletismo brasileiro, quem tiver força de vontade e muito esforço. Ela diz acreditar que isso explicaria o fato de os maiores fundistas e velocistas serem de origem pobre.
No ano passado, a atleta tomou uma decisão que julga ter sido uma das mais difíceis da carreira: mudou de treinador, após três anos sendo orientada pelo professor de educação física maringaense Humberto Garcia, com quem conseguiu os melhores resultados. A atleta justifica a troca como mudança profissional, mas reconhece certa “mágoa” de Garcia. Confira os principais trechos da entrevista com a atleta Adriana de Souza.
Você começou a correr por uma brincadeira na escola. Como foi esse início?
Tinha dez para 11 anos de idade e estudava em Paraguaçu Paulista [SP]. Na época existia olimpíada escolar, hoje acho que tem outro nome. Então fui participar, mas não tinha intenção de ser atleta, como acho que acontecia com todas as meninas que participavam na época.
Como e quando você descobriu que poderia ser uma grande atleta?
A partir do momento em que me destaquei nessa olimpíada escolar. Também participei de algumas provas e, mesmo sem treinamento, me destacava. No fim de 1991, fui convidada para ir para Tupã, no interior de São Paulo. E resolvi que queria levar o atletismo a sério. O esporte seria mesmo uma profissão.
Aos 18 anos você resolveu seguir carreira no atletismo e deixou para traz a vida que levava até então. Como sua família e amigos reagiram à decisão?
Nessa época fui um pouco sozinha. Meu pai sempre me apoiou, porque gostava, era envolvido com esporte. Tive problemas com minha mãe, que não entendia que eu gostava de atletismo. Depois, nós morávamos em cidade pequena, os vizinhos comentavam que eu era muito nova para estar competindo e viajando sozinha, falam até que podia engravidar. Essa mentalidade do povo preocupava.
A partir de quando sua mãe passou a aceitar sua opção?
Praticamente um ano depois que saí de casa, porque ela percebeu que não ia voltar. Todo mundo comentava que estava me destacando, estava levando a sério. Dava para perceber que era mesmo o que eu queria.
Você poderia ter morado em outra cidade nos últimos três anos. Porque escolheu treinar e viver em Maringá?
Vim para cá, porque meu treinador anterior, Humberto Garcia, morava e mora em Maringá. Para o atleta é interessante estar treinando junto com o técnico. Acostumei com a cidade, porque é pequena e tranqüila para treinar. Estava na hora também de arranjar um namorado, um lugar para realmente morar, construir minha família e construir minha casa. Até então, estava vivendo como cigana, cada época em uma cidade diferente.
Agora você está treinando em Sertãozinho. Você pretende mudar de cidade?
Eu passei quatro meses em Santos [SP] treinando para uma competição regional. Essa disputa era para testar meu ritmo. Agora estou em Sertãozinho porque aqui encontro boas condições para eu treinar, estradas planas e não corro o risco de sofrer contusão novamente. Estou recuperada, mas não posso forçar. Então aqui posso me preparar para a Meia Maratona do Rio.
No período em que profissionalmente você teve os melhores resultados, de 2002 a maio de 2003, seu técnico era Humberto Garcia. Porque resolveu mudar de treinador?
Não foi coisa pessoal, Humberto é ótima pessoa. Foi o melhor técnico que tive. Sempre me dei super bem com ele. Troquei por motivo profissional. Meus interesses não estavam correspondendo aos interesses profissionais dele.
Há rumores de que você poderia ter ficado chateada pelo fato de o Humberto Garcia estar dando atenção a outra atleta que vinha melhorando, a Hilda...
(risos) Não, nós já nos conhecíamos antes. Ela não apareceu do nada para treinar comigo. Já havíamos combinado de treinar juntas. Tinham meninas muito novas, não conseguiam fazer todos os treinos comigo e eu não tinha ritmo para treinar com meninos. Quando Hilda veio treinar, foi uma felicidade. Inclusive, nós estávamos treinando juntas para a Maratona de São Paulo. Nossos resultados são totalmente diferentes. Ela tem melhorado bastante, isso iria me ajudar e não atrapalhar. Se não treinasse comigo, treinaria com outra pessoa. Seria minha adversária do mesmo jeito. Por que não tê-la para trabalharmos juntas? Muitos atletas fazem isso, treinar junto é comum.
Você também não gosta muito de lembrar do técnico anterior ao Humberto Garcia. O que aconteceu nessa época que não te agradou?
O atleta precisa estar bem fisicamente, mas o psicológico ajuda muito também e o técnico trabalha muito isso. Ele não pode pressionar o atleta, não só no atletismo, mas em outros esportes. Existe o treinador ou dirigente mercenário. Tive um problema nesse sentido, um técnico que pensava mais na premiação. Pago 10% dos prêmios que ganho para o técnico. É justo, mas ele não dava tempo para eu me preparar para as provas, ficava competindo o ano todo, para ganhar dinheiro e pagar a parte dele. Quando chegava uma prova importante, já estava sobrecarregada, não conseguia treinar direito. Isso acaba atrapalhando muito a carreira do atleta. Outra coisa, de repente o técnico não gostava de certa pessoa, tinha obrigação de ganhar dela para satisfazê-lo. Isso estava acontecendo muito. Não tenho inimigas no atletismo, todas as meninas, como os meninos, são meus amigos. Não existe essa coisa de perder amizade com a pessoa para satisfazer o técnico. Não é bem por aí, ele não estava levando para o lado esportivo.
Você falou na importância de manter o equilíbrio psicológico. Como você faz isso?
Resolvi fazer acupuntura porque sou muito ansiosa, isso às vezes acaba me atrapalhando numa competição. Fazia tratamento com psicóloga, mas devido às viagens, não pude continuar. Então optei pela acupuntura, porque caso não dê para estar aqui no dia, posso fazer em outro lugar.
Você conseguiu um bom técnico aos 27 anos, a maioria dos atletas começa a se preparar para as Olimpíadas e Pan aos 22 anos. Acredita que isso prejudicou sua realização profissional?
Sim, já poderia ter participado de Pan Americano ou Olimpíada. Isso acabou dificultando o plano de treinamento, não é em um ou dois anos que você vai conseguir melhorar e chegar em nível de Olimpíada. Você trabalha em longo prazo, em torno de três, quatro, até cinco anos para chegar nesse nível. A partir dos 30, você não tem o mesmo rendimento que teria aos 22, 23 anos. A musculatura, naturalmente, vai perdendo força. É preciso se preocupar com alimentação, fazer academia, coisa que anteriormente fazia só para adquirir força.
Como você alcançou boa colocação na São Silvestre em 2001, se você não começou da maneira mais adequada e, no início, não tinha dinheiro para cuidar da saúde e alimentação?
Um ano antes de eu ser pódio da São Silvestre, já vinha melhorando bastante meu ritmo. No começo de 1999, consegui fazer umas provas boas, que me renderam uma grana legal para me manter. Pude procurar nutricionista para indicar aqueles suplementos alimentares, alimentação regular, isso já foi facilitando. Eu também já tinha técnico.
Acha que teve sorte?
Acho que sim. Já conheci muitos atletas que tinham talento para estar melhor do que estou. Faltaram oportunidades, desanimaram por falta de patrocínio.
Falta de patrocínio é uma dificuldade de ser corredora no Brasil, quais seriam as outras?
É muito difícil conseguir patrocínio, porque se você não tem destaque nacional ou internacional, ninguém acredita que vale a pena patrocinar. Depois de aparecer na mídia muda. Mas também não tem reconhecimento, há pessoas que me perguntam se só corro ou se trabalho. Ninguém pergunta para o Romário se ele só joga futebol, todo mundo sabe que essa é a profissão dele.
A maioria dos grandes fundistas e velocistas brasileiros é de origem pobre. Isso é apenas coincidência?
Não. Acho que é devido ao fato de o esporte ser tão sofrido, você tem de gostar mesmo, tem de ter muita raça, abrir mão de muita coisa. A maioria também vê uma maneira de melhorar de vida, de conseguir alguma coisa, grana mesmo e acaba se destacando.
Adriana, não podíamos deixar de falar da São Silvestre. Nos últimos anos as brasileiras têm se destacado nessa prova, como foi seu caso. O que tem mudado?
Nesses últimos quatro anos a premiação das provas de rua tem melhorado muito. Há reconhecimento, os patrocinadores têm se interessado pela atleta, há maior divulgação, tem aparecido mais mulheres. Se reunir 15 atletas de elite, de nível mesmo, e você não tiver 100% de aproveitamento, não chega entre as dez. O nível melhorou muito.
Em outros países o atletismo é praticado nas escolas. Isso torna o esporte mais reconhecido pela sociedade?
Com certeza, é outra noção. No Brasil, as pessoas só conhecem aqueles que se destacam e estão aparecendo, fora disso, ninguém sabe como funciona o atletismo. Ninguém incentiva, tanto que a molecada brinca de futebol não de atletismo.
A maioria dos profissionais que tem corrido as principais provas do país tem patrocínio ou não?
Os que não estão aparecendo na mídia, até tem patrocínio, mas é um valor que não cobre todas as despesas. O valor é muito pequeno, apenas uma ajuda de custo mesmo.
O que a Mizuno te paga é suficiente?
Pagam o suficiente para as despesas com viagens, coisas assim mais pessoais. Agora coisas extras, como caso queira construir uma casa, conquisto com prêmios das provas.
Conversei com alguns treinadores, que falaram em mais ou menos R$ 20 mil...
(risos) Não, no Brasil não. Só se for fora do país.
Quanto seria suficiente no Brasil?
Seriam esses R$ 20 mil (risos)
E com quanto tem de se contentar?
Tenho de me conformar com o que ganho (risos).
Ano passado você não participou de competições porque teve uma contusão. O que levou a isso?
Tenho encurtamento de uma das pernas, normal para quem não é atleta, mas no meu caso a atrofia muscular levou a perda da flexibilidade. Sobrecarrego o lado esquerdo, por isso tive contusão de hérnia, perdi toda a força da perna esquerda, o que levou a distensão. Foram dez anos correndo errado, devia ter corrigido quando criança, mas ninguém se preocupou. Para conseguir correr, treinar firme, faço RPG (Reeducação Postural Global) e fisioterapia. Um acompanhamento que devo fazer enquanto for atleta.
O atleta vende a imagem da marca. Então a exigência chega a ser excessiva a ponto de desgastar o atleta? Prejudica o verdadeiro sentido do esporte?
Infelizmente é assim que funciona. Ninguém te patrocina porque você é bonitinha (risos), mas porque é atleta. Te patrocinam para ganhar alguma coisa em troca. Se não tem resultado, não tem patrocínio. É preciso se adaptar a esse estilo, trabalhar de acordo com o patrocinador. Na Mizuno não tenho tanta pressão, porque são 12 meses e quatro provas importantes. Depois, somos convidados para outras provas que não são oficiais, como essa campanha do câncer de mama (Maratona Contra o Câncer de Mama, prova anual de São Paulo). Detalhe importante, vamos divulgar nossa imagem e do patrocinador.
Além de grandes provas como São Silvestre, Meia Maratona do Rio de Janeiro. Quais provas regionais você gosta de correr?
Gosto de correr em Apucarana, Cornélio Procópio. Maringá tem percurso muito bom, mas não sei se é por correr em casa, me senti pressionada. Fui vice-campeã três anos e não consegui vencer a prova.
Qual é a próxima São Silvestre que vai correr? E quais são suas expectativas para essa prova e para outras que deseja participar?
Meu maior objetivo era o Pan Americano, foi uma decepção muito grande quando parei de treinar. Estava no final do treinamento, ia tentar vencer a Maratona de São Paulo, duas semanas antes tive de desistir, porque meu ortopedista me proibiu de participar da prova. Vou tentar cumprir as provas do calendário, essas quatro provas do circuito da Globo. Estou treinando agora para a Meia Maratona do Rio. E quero tentar o índice olímpico, mas não vai dar tempo de me preparar para essas Olimpíadas.
Você tem idéia de até quando vai participar de competições?
Conseguindo manter o nível, melhorando um pouco mais, acho que até os 37 anos posso disputar provas em nível nacional, São Silvestre e outras provas. Depois, o rendimento cai um pouco. Nem conseguiria treinar como alguém mais jovem.
Fonte: http://www.jornalmateriaprima.jex.com.br/entrevista/adriana+de+souza+-+a+molecada+brinca+de+futebol+nao+de+atletismo
Obs: Assim como a Adriana de Souza, nossa região é muito rica em descobrir novos talentos e tambem em receber aqueles que já possuem uma vida inteira dedicada ao pedestrianismo e agora se dedicam em descubrir e lapidar novos atletas.
PARABENS ADRIANA PELA VIDA DEDICADA AO PEDESTRIANISMO.
@corredor-maringa
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